No mês de julho deste ano, a arquidiocese de Florianópolis enviou cento e vinte e sete missionários para as Santas Missões Populares em Xique-Xique, na Bahia. Eu estava entre eles. Foi uma experiência incrível, ou como eu disse na entrevista ao Sr. Domingos, organizador da viagem: “Foi indescritível, inenarrável. Só Jesus Sacramentado sabe o que Ele fez em minh’alma nesta missão”. Mas como me comprometi a escrever algumas palavras sobre as missões, aqui vou eu.
Em primeiro lugar tenho muito a agradecer a Deus que usou do meu ministro na ordem franciscana secular para fazer o convite para que eu participasse das missões. Foi algo completamente inesperado. Depois de uma de nossas reuniões fraternas, ao fim da Santa Missa, o Márcio me convidou para participar das missões na Bahia e eu sem nem ao menos pensar por um segundo sequer, imediatamente disse sim. Disse que iria. Sem nem saber quando nem como seria. Depois do meu “sim”, tudo o mais Deus foi providenciando. De forma que mesmo não tendo um centavo pra viagem, todas as despesas foram pagas por pessoas lindas que se deixaram tocar por Deus que por algum motivo me queria na Bahia.
Comecei a participar dos encontros de formação em Tijucas e a conhecer as pessoas que fariam parte desta missão. Descobri que este já era o décimo ano que a arquidiocese enviava missionários para a Bahia. Ao saber exatamente qual o dia iríamos partir em missão, comecei a conversar com a secretaria da educação e com as diretoras das escolas onde trabalho para justificar o período de faltas e deixar tudo acertado a respeito das aulas que seriam dadas. Tudo foi se encaixando perfeitamente. Recebemos o envio de Dom Murilo junto com todo o grupo de missionários reunidos em Tijucas e também do Frei Ladi na Igreja de Santa Inês em Balneário Camboriú, por onde estávamos sendo enviados, o Márcio e eu.
Acabamos antecipando a data de lançamento do meu livro: “Sonetos mal traçados” para adequar à data da viagem. E dia dezesseis de julho às dez horas da manhã estávamos saindo. Três ônibus em comboio deixaram a paróquia de São Vicente de Paulo em Itajaí, rumo à Xique-Xique. Foram quase três mil quilômetros. Noites mal dormidas dentro do ônibus. Parada às cinco horas da manhã para tomar banho gelado. Restaurantes de beira de estrada que muitas vezes nos tiravam o apetite devido à falta de higiene, mas também alguns bons restaurantes e igualmente caros. Fiz novas amizades dentro do ônibus, como a querida Liliane, de coração tão franciscano que lhe rendeu o apelido carinhoso de “Clara”. E finalmente, depois de quase três dias de viagem chegamos ao nosso destino e fomos acolhidos por uma belíssima e emocionante recepção. Carro de som, música, fogos, abraços calorosos de boas vindas. Fomos recepcionados na Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, onde cada missionário se apresentou ao microfone. Depois fomos encaminhados para um alojamento ao lado da Igreja de Nossa Senhora Aparecida, onde almoçamos (que comida deliciosa, preparada com muito amor), tomamos nosso tão esperado banho (novamente gelado) e passamos a primeira noite (com direito a vista de uma aranha enorme em meu colchão).
No dia seguinte estávamos de “folga” até a hora marcada na Igreja matriz para a acolhida dos missionários de outros estados e de outras cidades da própria Bahia. Aproveitamos para fazer um “tour” pela cidade. Subimos todos num caminhão e nos ajeitamos como foi possível para fazer o passeio. Foi quando vi pela primeira vez o Rio São Francisco. Meus olhos encheram-se de lágrimas. Fui até suas margens, molhei a mão direita e com suas águas tracei sobre mim o sinal da cruz. Muitas fotos depois, estávamos reunidos para receber os missionários e ouvir Dom Frei Luiz falar sobre o que ele esperava de nós. Foram separados os grupos e em seguida começou a Santa Missa de abertura das Santas Missões, presidida por Dom Frei Luiz e co-celebrada por diversos padres. Após a missa cada grupo foi para sua comunidade, embora algumas pessoas passaram mais uma noite no alojamento, pois só iriam para as ilhas no dia seguinte, o que não foi meu caso.
Fiquei em uma localidade chamada Guaxinim, comunidade de Santa Luzia, a apenas trinta minutos de caminhada do centro de Xique-Xique. Um bairro pobre, de gente simples e batalhadora. Pessoas que nos acolheram em suas casas, em suas vidas, com muito carinho. As casas chamavam minha atenção por serem feitas de barro, sem forro, chão batido e sem portas para separar os cômodos. Mas o que mais chamou a atenção foi como essas pessoas são felizes. Como elas têm fé.
Nossa rotina basicamente era de acordar às quatro e meia da manhã e sair em caminhada penitencial, orando e cantando pelas principais ruas do bairro. Depois o café da manhã com comidas típicas da região. Após o café começávamos as visitas nas casas. Todas as casas do bairro foram visitadas. Cerca de trezentas casas. Conversávamos com as famílias que nos recebiam em suas casas com alegria e emoção, como se estivessem recebendo o próprio Cristo. Fazíamos uma pausa para o almoço (que saudades do feijão de corda) e continuávamos visitando as famílias, até que no fim da tarde nos reuníamos à sombra das árvores para definir como seria a celebração da noite. Todos os dias antes da celebração fizemos um encontro direcionado. Um dia para as crianças, outro para os jovens, outro para casais e assim por diante, sempre fechando a noite com a comunhão do Corpo de Cristo. As celebrações aconteceram em lugares diversos, pois não há igreja na comunidade. Há apenas o terreno com o cruzeiro, indicando o lugar onde um dia eles pretendem construir uma igreja. Assim, celebramos em garagens, em galpões, na escola e até ao ar livre. E ficamos muito amigos da equipe de liturgia e catequistas da comunidade. O ardor delas nos contagiava. Algumas noites tivemos o privilégio de receber o Pe. Leandro, missionário de Itajaí que vinha presidir a Santa Missa para nós. Era uma grande alegria. Fizemos muitos amigos. Cativamos e fomos cativados. De forma que no último dia foi uma tremenda choradeira. As pessoas da comunidade brincavam dizendo: “Hoje o rio vai encher”. Isso devido às lágrimas e somando ao fato de que era tempo de seca e o rio São Francisco estava bem seco.
Levei muitas coisas que o Márcio havia preparado para distribuir entre as pessoas, como medalhas, terços, crucifixos e etc. Também distribui muitos pacotes de pirulitos. As crianças, aonde eu ia, iam atrás me rodeando.
O encerramento foi também na Igreja Matriz. Com todas as comunidades. Com todos os missionários se reencontrando depois de vários dias. Muitos abraços. Muita alegria, mas também a tristeza de saber que já se aproximava a hora de ir embora. A Santa Missa de encerramento, presidida por Dom Frei Luiz foi linda e mais uma vez nos emocionou. Depois da missa os missionários foram jantar e em seguida embarcamos no ônibus. Antes de subir para o ônibus me despedi das pessoas da minha comunidade que choravam muito com a nossa partida. Dei às meninas da equipe de liturgia de Santa Luzia algumas coisas de meu uso pessoal, como o terço, a minha cruz peitoral, boné e etc. sei que tudo isso tem e terá sempre um significado muito grande para elas. O ônibus seguiu seu rumo, e o povo foi acompanhando em lágrimas e acenos. Ficou a lembrança de todas as maravilhas que o Senhor Deus fez em nossas vidas.
Rodrigo Hogendoorn Haimann, ofs
Paz e bem!